Foi com profunda tristeza que a Contraponto Editores recebeu a notícia da morte de João Semedo, cidadão que ao longo dos últimos três anos – e de forma ainda mais intensa nos últimos meses, por via da coordenação do projeto editorial “Morrer com Dignidade”, publicado pela Contraponto Editores – se dedicou à causa da despenalização da morte assistida.
Para a Contraponto, o médico e político João Semedo será recordado como um democrata, um humanista e como uma pessoa de elevadíssimo sentido ético e cívico, que, da forma mais digna possível, lutou até ao final pela possibilidade de, num país em que se morre mal, se poder morrer com dignidade.À família, a Contraponto envia as mais sentidas condolências.
(…) uma primeira explicação, porventura tão simples quanto cruel: morre-se mal em Portugal. Em geral, a morte traz consigo um intenso sofrimento, tão excessivo como inútil, porque dele nada resulta a não ser mais sofrimento até que a morte, pondo termo à vida, ponha igualmente termo ao sofrimento.
– Da introdução ao livro Morrer Com Dignidade –
Atentamente,
Contraponto Editores
Texto de João Semedo lido pelo editor da Contraponto na apresentação do livro
Morrer com Dignidade, na Assembleia da República, a 23 de maio de 2018
Começo por uma breve explicação para a minha ausência. A recuperação em que estou empenhado ainda não deu o resultado suficiente para permitir deslocar-me do Porto a Lisboa, inviabilizando assim a minha participação nesta sessão de apresentação do livro “Morrer com Dignidade – A Decisão de Cada Um”. Lamento esta circunstância, mas estou certo da vossa compreensão.
Quero agradecer ao editor Rui Couceiro e a toda a equipa da Contraponto o trabalho exemplar realizado, que tornou possível o que há uns meses parecia impossível aos olhos de quase todos: fazer chegar às bancas esta edição em tempo record, pouco mais de dois meses, sem prejuízo da qualidade da edição, de forma a que pudesse cumprir o seu principal objectivo - contribuir para a informação, o esclarecimento e o debate sobre a morte assistida nesta fase de decisão parlamentar. Muito obrigado, Rui.
Uma palavra de agradecimento também à Dra. Ana Jorge e ao Dr. José Eduardo Martins, por terem aceitado fazer a apresentação deste trabalho, certo de que o farão com a distinção a que já nos habituaram.
Por último, algumas palavras sobre o livro e as motivações que conduziram o Movimento pela Despenalização a empenhar-se nesta aventura editorial.
Nos últimos dois anos, não me recordo de qualquer outro tema tão discutido como a morte assistida. Foi um debate intenso, muito participado e que mobilizou e envolveu a opinião pública portuguesa.
Infelizmente, nem tudo correu bem. O radicalismo extremista em que apostaram alguns adversários da despenalização poluiu o debate com uma série de mentiras, insinuações e falsificações sobre o que se verifica nos países em que a morte assistida é permitida e sobre o que propõem os projectos de lei que vão a votos, no próximo dia 29, no nosso Parlamento.
O Movimento considerou, e bem, ser indispensável responder a essa campanha e repor a verdade com isenção, rigor e objectividade informativa. Não sendo obra perfeita, julgo que esse propósito foi plenamente conseguido com esta edição, constituindo um importantíssimo contributo para a aprovação, entre nós, da despenalização da morte assistida.
Ajudar a morrer serena e tranquilamente, acabando com o sofrimento inútil, é uma atitude muito nobre, de elevado valor moral e de grande humanismo, que não podemos deixar que seja desvalorizada, caricaturada ou comparada como um homicídio.
Consagrar na lei a despenalização da morte assistida é consagrar o direito de todos a verem respeitada a sua vontade, sem obrigar mas também sem impedir seja quem for de encurtar a sua vida, para por termo a um sofrimento que considere inútil e desumano.
Despenalizar é colocar a tolerância onde até hoje tem estado a prepotência de alguns impondo-se a todos os outros. No dia 29, é isso que está em causa.
Porto, 21 de maio de 2018
João Semedo